Posted On

13
janeiro
2017

As escolas de samba são nossas

EDUARDO CARVALHO

eduardo-carvalhoO ano era 2004 ou 2005 e um animado grupo assistia ao desfile das escolas de samba no Setor 3 da Marquês de Sapucaí. A águia da Portela apontou na cabeceira da pista e a azul e branca de Oswaldo Cruz começou a se arrumar para o aquecimento: o puxador gritou e o cavaquinho chorou para o lindo hino que é “Portela na Avenida”, de Mauro Duarte e Paulo Cesar Pinheiro.

Nesse momento, uma gorda e simpática senhora, que até então conversava e cantava desde cedo com os colegas de arquibancada, começou a chorar compulsivamente. O troço era tão forte que um sujeito, penalizado, perguntou:

– O que aconteceu? A senhora tá passando mal?

E a velha, aos soluços:

– Nada, meu filho… É a Portela, é só a Portela…

Detalhe: tratava-se de um dos piores enredos (e sambas) – e foi também um desfile muito ruim – da Portela em todas as épocas. Mas, para aquela torcedora, isso não tinha a menor importância. Ela só vivia a emoção do amor mais puro pela sua escola do coração.

***

Fiz essa introdução a propósito de tanta bobagem que escuto sempre que o Carnaval começa a se aproximar. Todo ano é a mesma coisa. Esquentam os termômetros da estação mais festejada do Rio de Janeiro (quem ainda acha graça nesse inferno, meu Deus, quem?), e logo aparecem teóricos de toda sorte para encher o saco da gente.

Não me refiro aos verdadeiros estudiosos do Carnaval. Até porque esses sabem que, na prática, a teoria é outra. Eles têm consciência de que a vida ao vivo, na rua, no olho, é insuperável e indizível em meia dúzia de palavras. Eles percebem a beleza onde ela tenta se esconder e conseguem valorizar o amor genuíno de quem sente a festa dentro do peito e não por meio das redes antissociais. Eles têm a exata noção de que, por mais poderoso que seja o “Sistema”, as escolas de samba não têm – não têm! – um dono. Elas são de todos nós que as amamos de verdade.

Então, o que quero dizer – e com boa antecedência para mais um Carnaval – é isto aqui: as escolas de samba são nossas! Só nossas, de mais ninguém. Nem de presidentes, nem de patronos, nem de ladrões das mais variadas procedências, nem de letrados, nem de analfabetos, nem de sabichões, nem de quem se acha acima do bem e do mal, nem de vagabundos (sejam esses mocinhos ou bandidos). Elas são nossas, de cada um e de todos nós.

Cada um tem a sua agremiação de estimação e carrega consigo as dores e os amores de folias passadas, sempre revisitadas, assim como sonhos de futuros tão bonitos. E todos que amamos o Carnaval temos momentos de emoção genuína também com escolas que não são “as nossas”.

Os exemplos são infinitos. Quando em 2008 chorei feito criança ao ver, lá de dentro da Passarela, o Império Serrano passar debaixo de uma água histórica no sábado do Grupo de Acesso, era disso que se tratava. O Império também era meu. Quando fiquei absolutamente comovido pelo simples fato de vendo, lá da arquibancada, o Sílvio Santos desfilando em cima de uma alegoria, a Tradição também foi minha, e de quem mais a quis – mesmo com péssimos sambas e fantasias e carros e tudo, não importa.

O Carnaval, e dentro dele o show inigualável que é o desfile das escolas do Rio, só me serve se cada um puder bebê-lo como o que ele é: uma mistura de festa, melancolia, aflição, catarse, beleza, liberdade, choro, leveza… Vamos tomar para nós os mais variados tipos de agremiações carnavalescas e começar a treinar já, nesse pré-carnaval sob 52 graus à sombra. Treinar para sermos mais leves, mais lúdicos, mais crianças, menos donos da verdade. Assim com as escolas de samba, o Carnaval de verdade não tem nem nunca terá donos.

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