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09
agosto
2016

As vidas de um gato sambista

ALEXANDRE MEDEIROS

alexandre-medeirosTem uma coisa muito instigante nesse exercício de ficar revirando o baú e separando os itens do mundo do samba. É estimulante imaginar que esses cacarecos têm uma memória, que carregam consigo uma reminiscência de vida do próprio objeto e das lembranças afetiva das pessoas que tiveram contato com aquele artefato. Os questionamentos da constituição dessa memória é que provoca a vontade de descobrir.

Quando ganhei de um amigo um LP intitulado “Carnaval 68” eu percebi tempos depois que tinha algo colado dentro da capa. Era um adesivo promocional – aqueles plásticos que tinham propaganda ou algum grafismo, feito para colocar no vidro do carro ou na janela de casa – do carnaval de 1968. Era o desenho de um gato tocando cuíca, com o traço inconfundível do Ziraldo. Que historias tem aquele pedacinho de matéria? Vamos descobrir!

cartaz_1968Nos anos 60, era a Secretaria de Turismo da Cidade do Rio de Janeiro que ficava a frente dos preparativos para o carnaval, incluindo a decoração das ruas, a organização do desfile das agremiações carnavalescas, a criação e distribuição de material promocional e outras providências para o acontecimento da festa.

Para 1967, a Secretaria resolveu escolher um gato como símbolo daquele carnaval. A justificativa dada pelo Secretário Carlos Laet pela escolha não poderia parecer mais inusitada: “É ele o maior sacrificado da folia, pois de sua pele fazem-se as cuícas e os tamborins que também marcam o ritmo contagiante das escolas de samba e dos denominados blocos que desfilam nas ruas cariocas no tríduo da folia”.
Para dar vida a este infausto felino foi convidado o já famoso cartunista Ziraldo, que mesmo achando a justificativa oficial “um tanto trágica”, cria uma figura alegre, elegante e carnavalizada, registrando sutilmente no jogo de cores a nefasta sina do animal que toca um instrumento feito do seu próprio couro.

Morbidades a parte, a figura criada por Ziraldo foi espalhada por toda a cidade, dando as caras em flamulas colocadas nos postes, ventarolas, chaveiros e toda sorte de item de divulgação. Até as almofadas distribuídas para os espectadores do desfile das escolas estampavam o sorridente bichano.

Mas teve gente que atirou o pau no gato. O saudoso Fernando Pamplona, polêmico como ele só, acabou contestando o Secretário de Turismo, dizendo que era uma aberração a escolha daquele bicho, já que para ele o símbolo daquele carnaval era a “máscara estilizada”, que figurava em todos os elementos de decoração de rua, cujo projeto e execução fora incumbido ao Pamplona, depois dele vencer um concurso público presidido pela própria Secretaria de Turismo.

cartaz_1967Polêmicas à parte, o gato se esquivou das críticas e fez muito sucesso, convivendo bem com a decoração de rua. O símbolo foi muito apropriado pela imprensa e pelas entidades carnavalescas, que promoveram vários “Baile do Gato” pelos clubes da cidade.

Com o sucesso nos festejos de 1967, a Secretaria resolveu adotar novamente o nosso amigo felino para o carnaval do ano seguinte, quando passou por uma repaginação, tornando-se um simpático cuiqueiro que estampa o plástico de propaganda que trago hoje para vocês.

E como o gato é um bicho de sete (ou nove) vidas, não pense que o nosso herói morreu naquela quarta-feira de cinzas de 1968. Vale registrar que o seu ressurgimento em 2010 na capa do livro “Bateria: o coração da escola de samba” – de autoria de Julio Cesar Farias – redesenhado na sua antiga forma de tocador de tamborim, deixou no ar um desejo de que essa simpática figura reaparece logo em algum futuro carnaval ou em algum objeto perdido que faça a sua memória reviver.

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