Posted On

01
agosto
2016

Contraditória alegria

Nesta semana, o Blog Conversa de Carnaval abre espaço para a participação especial de Luise Campos, que traz um artigo inédito sobre Carnaval e Olimpíada. Na próxima semana, Anderson Baltar retoma o espaço.

LUISE CAMPOS

luise-campos-circuloChegamos, aos trancos e barrancos, na semana da abertura dos Jogos Olímpicos na cidade do Rio de Janeiro. A atmosfera é longe da ideal ou desejável para a recepção do evento, dada a instabilidade política atual, as metodologias absolutamente questionáveis na preparação do evento e a persistência de tantas mazelas sociais que, não sem motivo, geram insatisfação em boa parte da população. No entanto, o mundo está com os olhos voltados para nós. A bem da verdade, admitamos: nada a que já não estejamos acostumados; afinal, nosso Carnaval não recebeu a alcunha de “maior espetáculo da Terra” por acaso. E elas, as nossas escolas de samba, marcarão presença na festa que se prepara para a recepção de milhares de visitantes à cidade.

Detendo-nos apenas nesta questão do evento, não podemos deixar de falar da importância de o fato das escolas de samba estarem representadas neste contexto. Se, por um lado, temos de combater de que produzem apenas o espetáculo como fim em si mesmo, não podemos renegar sua capacidade única de, num casamento incrível entre dança, música e artes plásticas, provocar os mais arrebatados deslumbramentos. Os grêmios recreativos são, prioritariamente, espaços de manutenção de saberes tradicionais e de estabelecimento e perpetuação de laços comunitários. E, por abarcar as diversas acepções de produção de cultura em seu seio, são entidades absolutamente fundamentais da identidade brasileira.

As escolas de samba, ao longo do tempo, se reinventaram, se remodelaram e guardam, em si mesmas, a memória de nossa própria história social. Elas são o que somos. A capacidade de adaptação ao status quo, se necessário, sem deixar de encontrar uma brecha para subverter. A sombra que insistimos em não encarar, a linha tênue entre o discurso da moralidade e a contravenção. A convivência harmônica entre a malandragem e o trabalho árduo. As relações tensas de poder e dominação processadas em cordialidade. E, no final das contas, a assombrosa capacidade de sedução que resulta dessa equação improvável. Não é de se espantar que muitos reneguem veementemente tal construção identitária, pois somos desconfortavelmente impuros, belos e arrebatadores. O espelho nem sempre é bem-vindo e provoca as reações que já conhecemos: os discursos de que carnaval não é cultura e os ataques ao investimento público que recebe, por exemplo.

Mas a desgraça dos eternos insatisfeitos é que o retorno é tão certo quanto lógico: quem vem de fora quer nos ver. Quer nos conhecer. E é por isso que elas estarão lá, desfilando. Se apresentando. Nos apresentando. Encantando. Assombrando. E, numa ideia muito bem pensada, farão apresentações abertas em conjunto com os blocos que mobilizam a cada carnaval milhões de foliões pela cidade. É um diálogo necessário, já que as escolas, por tantas questões que mereceriam outro texto para discussão, já não conseguem com tanto sucesso atrair e se comunicar com o próprio carioca. Vivem o risco de se transformarem, em certa medida, em guetos – vale lembrar que, em pesquisa recente, foi apurado que metade da população do Rio de Janeiro nunca foi a uma quadra de escola de samba. Sendo assim, que respirem esse ar brincalhão do carnaval de rua para que se refresquem.

No mais, sem perder de vista o necessário senso crítico, desfrutemos. Boa festa a todos nós!

Veja Também

Artigos Relacionados

Categorias

Navegue por Assunto

Recentes

As Últimas da Arquibancada