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18
julho
2016

De volta ao afro, a Ilha sonha com um grande samba

ANDERSON BALTAR

anderson-baltarNa terça-feira passada, estive na quadra da União da Ilha do Governador para conhecer a sinopse do enredo da escola para o Carnaval 2017. “Nzara Ndembu – Glória ao Senhor Tempo”, de Severo Luzardo, promove um reencontro da União da Ilha com uma temática que já lhe rendeu grandes sambas e da qual a escola se afastou há quase 20 anos. Desde 1998, com “Fatumbi”, a tricolor insulana não faz um enredo de matriz africana. Basta lembrar que o primeiro título da escola, o então Segundo Grupo em 1974, se deu com “Lendas e Festas da Yabás”. E que enredos afros já renderam pérolas como “A Viagem da Pintada Encantada” (1996) e “Ritual Afr0-Brasileiro” (1971).

Me surpreendi ao ver a quadra lotada de componentes de todos os segmentos da agremiação em um evento que, geralmente, é acompanhado apenas pela ala dos compositores. E senti, de uma forma muito palpável, em todos os insulanos o desejo de ver a escola de volta à trilha dos bons resultados e, sobretudo, dos grandes sambas. A belíssima narrativa, de abordagem inédita baseada nos cultos do candomblé banto – pouco foram difundidos em nosso país – tem tudo para ajudar nesse processo de redenção. Afinal, a União da Ilha, de larga contribuição ao sub-gênero samba-enredo, está devendo, já há alguns anos, uma obra digna de suas tradições.

Teorias para tal problema não faltam. Há quem diga que a escola ficou refém de um estilo de samba-enredo, que ficou consagrado como “a cara da Ilha”. Me refiro ao estilo de composição burilado por Didi no seu retorno à escola no final dos anos 70 (em sambas como “O Amanhã”, “O que será?” e “É Hoje”) e aperfeiçoado por Franco em “Festa Profana” e “De Bar em bar…”. Muita gente diz que tal estilo de samba se esgotou e que o sisudo carnaval dos tempos de hoje não comporta mais composições tão leves, oníricas e brincalhonas. Pode ser. Até porque, para mim, a “cara de samba da Ilha”, na verdade, é a qualidade. Como falar da discografia insulana sem citar belíssimos sambas como “Domingo” (1977), “Poemas de Máscaras e Sonhos” (1976) e “Um Herói, uma canção, um enredo” (1985), todos criados dentro de estruturas mais tradicionais – assim como os mais recentes “A União faz a força…” (2001) e “Corcovado” (2005).

Um problema que ocorreu dentro da União da Ilha foi a perda, em um curto prazo de tempo, de uma representativa quantidade de compositores. Franco faleceu de forma precoce. Maurício 100 – que também era ótimo puxador- converteu-se à igreja evangélica. Outros talentos, como Ciraninho e Mingau foram para co-irmãs. Djalma Falcão e Márcio André, que legaram sambas importantes à escola, deixaram a ala e foram para a diretoria. Com tantas perdas, a sensação de eterna entressafra tomou conta da Ilha, que, além de tudo, passou muitos anos no Grupo de Acesso e viu sua ala se esvaziar.

Posso estar enganado, mas a energia que senti na quadra foi bastante positiva. Algo me diz que a safra de sambas da União da Ilha será uma das mais interessantes de 2017 e que uma ida à quadra da Estrada do Galeão em horário alternativo (os cortes serão nas tardes/noites de domingo) será um dos programas mais bacanas que os aficionados em disputas de samba terão para cumprir nesta temporada. Que os tambores de Angola inspirem os poetas insulanos!

 

 

 

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