Posted On

16
março
2017

Enredo: Saudade

EDUARDO CARVALHO

eduardo-carvalhoEu sinto muita saudade. Saudade de tudo e de (quase) todos. Tenho saudade do ontem e do anteontem, inclusive do que não vivi. Saudade desse hoje que tão depressa vai virar lembrança.

Sinto saudade de mim. Dos eus que já fui ou pensava ser.

É descomunal a saudade que sinto do que um dia achei que poderia me tornar. E também do frescor das possibilidades e descobertas que se apresentavam para mim há vinte e poucos anos e que eu não soube agarrar.

Não é que eu viva do passado. Ele é que vive comigo.

Sinto saudade todo dia. Toda hora. O tempo todo.

A minha saudade não dorme. Está no colarinho do meu chope e no som do surdo que marca o samba do meu coração.

A funda saudade que sinto não tem fim. Persegue-me. Ando com saudade até do trema, do hífen, do circunflexo que a nova ortografia matou.

A minha saudade está na ausência dos poucos amigos que tenho. Mas também na presença deles, que é quando o relógio mais corre. Ela está nos carnavais, nas dores, nas flores e nas palavras – faladas, escritas e, pior, nas não ditas.

Paulinho da Viola já disse não sentir saudade de nada. Eu sinto. Muita.

A cada samba novo ou velho que escuto, ela me percorre. Aliás, é no samba que sinto mais saudade – de outros sambas, de outros tempos, de velhos dias.

Imerso na santa inocência que protege os ignorantes, acho que a minha saudade me faz bem. Desconfio que, sem ela, seria pior.

Deve ter aí, imagino, algum grau de depressão. Ou de loucura. Ou das duas.

Mas eu não quero chegar a lugar algum com isso. Só botar pra fora.

Ou só escrever, torto por linhas retas, que é pra ver se Deus entende: que eu tenho muita saudade; que eu morro de saudade; que eu vivo com saudade.

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