Jorge Silveira: “em 2019, a São Clemente voltará à crítica”

ANDERSON BALTAR

Com uma carreira construída na ponte aérea Rio-São Paulo (em 2017, foi vice na Série A com a Viradouro e também segundo lugar em São Paulo, pela Dragões da Real), Jorge Silveira aportou na São Clemente com a difícil missão de, em seu primeiro trabalho no Grupo Especial, substituir Rosa Magalhães, que nos últimos três anos, deu um outro patamar de competitividade à escola. Com personalidade e muito trabalho, mostra-se disposto a inaugurar uma nova era na amarela e preta de Botafogo. E, desde já, promete: em 2019, a São Clemente voltará aos enredos críticos com força total. Confira:

Você está chegando a uma escola que está há sete anos no Grupo Especial e substituindo Rosa Magalhães. Como é a responsabilidade de substitui-la e manter a qualidade dos desfiles da São Clemente?
Evidente que o desafio é grande, especialmente por estreia e por suceder a Rosa em uma escola que está se solidificando no Grupo Especial. Mas, o presidente Renato, assim que me chamou, deixou bem claro que o objetivo não era substituir a Rosa e, sim, criar uma nova trajetória para a São Clemente. O importante é seguir o legado da São Clemente imprimindo a minha marca. Isso me deu mais tranquilidade. Tenho liberdade para fazer o que acredito que seja o melhor para a São Clemente. Vou absorver naturalmente coisas positivas que me sucederam, mas vou introduzir uma nova dinâmica no seu desfile. A escola vai interagir mais com o público.

Você já havia feito o enredo no Carnaval Virtual, mas que dialoga com a estética da Rosa. Isso foi pensado para se fazer uma transição do trabalho da Rosa para o seu ou foi apenas coincidência?
Foi coincidência. O enredo foi um pedido do presidente. Quando os amigos começaram a ventilar meu nome para ele, ele me pesquisou e viu o trabalho do Carnaval Virtual. Ele me chamou para fazer o Carnaval e pediu para contar melhor essa história. Já cheguei com o pacote fechado, o que me deixa muito feliz, porque eu guardava com muito carinho esse enredo e vou poder realizar. Tenho muito carinho pela Escola de Belas Artes e vou poder levar sua história para a avenida. E ele acaba parecendo uma sequência natural do trabalho da Rosa por conta da pegada clássica. Por outro lado, o enredo começa com raízes neoclássicas, mas ao longo eu devolvo a São Clemente ao Carnaval popular. Encerro o desfile mostrando essa junção de estilos que uniu o clássico ao popular. Quando atravessarmos a Praça da Apoteose, a São Clemente vai se reencontrar com seu formato popular, pensando em 2019, já antecipando a volta a seu estilo irreverente e brincalhão.

Então você já está antecipando que o enredo de 2019 será como nos velhos tempos da São Clemente…
A gente vai ter o prazer de ouvir o Leozinho gritando: “Olha a crítica!”. O trabalho desse ano é a transição entre a estética acadêmica da Rosa para o Carnaval popular da São Clemente – que será retomado a partir de 2019. O presidente me deixou muito à vontade. Ele já começou a me perguntar como será o enredo e eu retruquei pedindo como ele quer a escola. Ele respondeu: “eu quero a São Clemente puta, porque estou muito puto com tudo que aconteceu com o Carnaval”. Eu disse que também estou puto e vou fazer uma São Clemente muito ácida no próximo Carnaval.

O momento atual está propiciando a volta da crítica ao Carnaval? Como você analisa esse processo?
Não tem como escapar dessa trajetória. Os próximos anos serão ainda mais desafiadores. Entendemos que o samba não é o barato do prefeito. Nosso discurso tem de ser de sobrevivência. Tudo está sendo feito para nos atrapalhar e temos que atravessar os próximos anos muito alertas. Ou vamos lutar por nós mesmos ou não teremos esperanças. Os enredos politizados desse ano são muito apropriados e a São Clemente também vai buscar esse caminho, sem fugir da briga.

Como o enredo da São Clemente será contado na avenida?
A grosso modo, vamos transformar a Sapucaí em uma galeria a céu aberto ,de uma forma clara e didática, mostrando a evolução da arte brasileira após a chegada da Missão Artística Francesa. Começamos com a chegada da Academia, fundando uma escola neoclássica, moldando uma nova realidade para a arte brasileira. Depois, mostraremos esses artistas tendo contato com a realidade brasileira, encontrando um Rio de Janeiro negro e escravocrata. A diversidade da cidade começa a ser registrada em documentos artísticos. No terceiro setor, vamos mostrar os grandes salões internacionais, onde os principais artistas ganham bolsas para estudar no exterior e, aos poucos renovam o corpo de professores com artistas brasileiros. A escola ganha a cara da brasilidade. Em seguida, mostraremos o contato desses artistas com a natureza e como isso influencia a paleta de cores da arte brasileira. Depois falaremos da modernidade, uma modernidade genuinamente brasileira. E vamos terminar mostrando os artistas que saíram da EBA (Escola de Belas Artes) e vieram para o Carnaval carioca com todo seu legado de renovação dos desfiles.

Você é niteroiense, mas fez carreira no Carnaval de São Paulo. Qual a diferença de trabalhar aqui e lá?
O Carnaval do Rio é inquestionavelmente mais caro. Os produtos são mais caros, a mão-de-obra é mais cara. Lá em São Paulo eles produzem o tecido, os materiais são mais baratos. A mão de obra é diferente, os profissionais são de Parintins, que fazem do ferro à decoração e você contrata o pacote completo. Eles ficam um semestre em São Paulo. Alugam uma vila, ficam seis meses e depois voltam para fazer o boi. E agora São Paulo tem uma infra-estrutura fantástica da Fábrica do Samba. Eu trabalhei em barracão em que o pé direito tinha 4,5 metros e a alegoria chegava a 15m. Tínhamos que montar tudo na concentração. O barracão da Dragões era um puxadinho do lado da quadra.

Você está trazendo algum conceito que foi desenvolvido em São Paulo?
Com certeza. O Carnaval de 2017 deu muito certo porque foi o mais dinâmico da história da Dragões. Os carros tinham uma leitura muito fácil e uma capacidade de comunicação com o público muito imediata. Isso trouxe a arquibancada para dentro do desfile e estará na São Clemente. O desfile da Rosa era mais contemplativo, meu estilo é mais de interatividade e movimento, que é uma coisa que eu estou trazendo do Carnaval de São Paulo.

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