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Leandro Vieira e a crise das escolas de samba
LUIZ ANTONIO SIMAS
No último fim de semana o jornal O Dia publicou uma ótima entrevista do jornalista Caio Barbosa com o carnavalesco da Mangueira, Leandro Vieira. Longe das matérias que reduzem o Carnaval a um mero evento turístico, a do Caio Barbosa com o Leandro problematiza criticamente a festa de uma maneira necessária. Destaco um trecho da fala do mangueirense:
Para quem está habituado a fazer carnaval com muito dinheiro, talvez esteja mais difícil, principalmente para o carnavalesco que tem a tendência de enxergar o desfile como espetáculo (…) No meu caso é diferente. Se eu tiver muito dinheiro, talvez até sobre. Porque enxergo o desfile sob a ótica da cultura popular. Não uso o material barato apenas por não ter condições de usar o caro, mas por ideologia. Acho que o barato traduz o carnaval.
Em outro trecho, Leandro afirma:
Detesto a frase “carnaval virou espetáculo”. Tenho restrição a enxergar o carnaval como entretenimento. O carnaval que eu faço é o que tenta dialogar com o carnaval que ensina de cultura popular, de festa brasileira, não é espetáculo ou algo televisivo.
Eu acho que não mensuramos ainda a relevância dessas declarações e elas não repercutiram com a força que devem ter. Nos debates que se estendem sobre enredos de escolas de samba, financiamentos duvidosos, subvenção pública e quejandos, há um ponto, dentre tantos, que pode também ser mencionado e reverbera na fala do carnavalesco da Mangueira: em certo momento as agremiações do Grupo Especial mergulharam no poço sem fundo de um Carnaval caríssimo, desnecessário, espetaculoso, onde não raro uma fantasia de porta-bandeira custa mais que um desfile inteiro de uma escola da Intendente Magalhães.
Um Carnaval visualmente mais modesto e original parecia ser ilusão; ninguém queria embarcar nessa, já que a nova ordem consolidada, sobretudo, a partir dos delírios maravilhosos de Joãosinho Trinta e seus seguidores, aprofundou a ênfase na parafernália visual e transformou os fundamentos de uma agremiação em elementos secundários de um desfile.
Pagam-se fortunas a coreógrafos, acrobatas, técnicos em efeitos especiais, maquiadores, iluminadores, homens voadores, astronautas, ilusionistas, atrizes, atores, rainhas de qualquer coisa e similares. O padrão show de cassino em Las Vegas tomou conta do babado no século XXI e a glamorização da frase de efeito “pobre gosta de luxo, quem gosta de miséria é intelectual”, nos levou a essa encruzilhada.
Aponto o problema, mas afirmo que já fui mais pessimista. Não via como reverter esse quadro, encontrando ao menos um equilíbrio entre os quesitos de fundamento e o visual, por uma razão simples: as próprias escolas de samba – que hoje são apenas (exceções confirmam a regra) simulacros de instituições comunitárias – não querem que isso ocorra. E tome de visual fabuloso, tome de deslumbramento, tome de lavanderia de dinheiro, tome de desfile ostentação.
É neste sentido que a tão propalada crise pode ter, como reiteradamente afirmo, um sentido positivo para o carnaval de avenida. Ao colocar em questão o padrão de Las Vegas, o discurso da espetacularização, o esvaziamento da ideia de carnaval como uma festa da cultura do evento (quando para mim o carnaval é um evento da cultura), o descalabro das quantias astronômicas gastas em enredos desprovidos de sentidos que não sejam o da propaganda de massas, a crise pode representar um reencontro com o que de melhor as escolas de samba apresentaram até hoje.
O desafio está lançado e Leandro Vieira, pelo jeito, sabe exatamente o que está fazendo e onde está pisando. O Carnaval, ao menos aquele que eu aprendi a amar, agradece.
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