Leia a sinopse da São Clemente para o Carnaval 2018

G.R.E.S. São Clemente – Carnaval 2018
“Academicamente Popular”

logo-sao-clemente-2018A beleza sempre foi a mais cobiçada de todas as bênçãos. Através dos tempos, o homem buscou a forma ideal, a sensação plena da estética. Desde a Antiguidade Clássica, o belo era tratado e considerado uma dádiva dos deuses e cultuado pelos mortais. A arte sempre foi objeto de encantamento e despertar dos sentidos, emoções e sensações – uma das ferramentas mais importantes na construção das alegorias da mente humana.

O povo sempre buscou a força da arte para se entender humano e transcender o “ser humano”, como partes complementares de uma mesma existência.

Quis o destino que esse peculiar encontro ganhasse novos e singulares contornos nas terras do Novo Mundo, banhado pelo Atlântico, emoldurado por um verde exuberante. Musas da arte sopraram através dos mares misteriosos às mentes de nobres artistas até a nova capital do império português. Tal encontro só poderia surgir nessa terra privilegiada, isolada entre o mar e montanha, que chamamos São Sebastião do Rio de Janeiro. O encontro entre a arte acadêmica e as forças ocultas que nascem do povo: no caso, um povo mestiço, matizado com tons nativos e africanos. Somente aqui seria possível conceber tal mistura, entre a acadêmica arte e a espontaneidade dos mais calorosos corações.

Rapidamente, a força desse cenário captura a alma de Debret, que eterniza em aquarela a diversidade desse novo mundo que surgia. O olhar do talentoso artista foi enamorado pela beleza local e pelo esplendor de nossa mestiçagem. Em suas pinceladas, registrou o cenário da capital do Império, com todos os seus contrastes. Impossível ficar indiferente aos cânticos vindos das ruas, onde o entrudo tomava as praças em dias de festejo carnavalesco, como um cronista visual buscava o exótico, o cotidiano, os viveres dessa gente. Sua obra testemunhava a fluência do encontro de nossas matrizes culturais. Um Rio onde a negritude predominava caminhando por um cenário de arquitetura colonial.

Com o passar dos anos, as primeiras gerações de artistas acadêmicos brasileiros são formadas. Em suas obras, davam vida e cor a importantes passagens da história nacional: momentos de esplendor da corte, cenas de batalhas e a glória do exército ganham contornos épicos na visão dos artistas. A figura do índio surge nas telas como herói nacional. Era nos grandes salões anuais que eles expunham o resultado de seus estudos. Os que mais se destacavam nas competições eram premiados com medalhas e recebiam uma bolsa para completar seus estudos em renomados ateliês da Europa. Ao retornar ao Brasil, postulavam a vaga de professor titular ou substituto. Gradativamente, a primeira geração de mestres estrangeiros era substituída por brasileiros. Os princípios franceses de igualdade norteavam essa transformação: sem restrições, a Academia se abria a receber os estudantes, independentes de sua origem social ou da cor da sua pele. Um exemplo disso foi a importante presença de Estevão Silva: negro, filho de escravos, que chegou a rejeitar publicamente uma premiação das mãos do Imperador, que não fazia jus ao seu talento.

Passo a passo, a Academia vai se entrelaçando com o Brasil, como raízes firmes que abraçam o solo, se misturando a ele e extraindo sua essência. Impossível não se deixar levar pela grandeza deste verdejante país. O calor dos trópicos e a luminosidade seduzem o olhar dos artistas, sensibilizando sua paleta para os infinitos tons que nossa paisagem é capaz de produzir. A natureza brasileira “não cabia nos manuais”. Era preciso levar o cavalete até o bosque e se permitir sentir a mensagem que ecoava da mata, advinda dos troncos, dos riachos, das flores e do canto dos pássaros.

A cada geração a Academia buscava mais e mais uma identidade nacional, trazendo para o foco dos artistas o cotidiano, o folclore, as causas sociais e políticas. Sobretudo, a Escola se permitia vivenciar ares de modernidade e inovação, trazendo ao âmbito das discussões plásticas as transformações da sociedade. Os tipos brasileiros, o caipira, o interior – os caminhos vão se abrindo e a mentalidade começa a mudar.

A estética mudou… As técnicas mudaram… Os temas mudaram… Novas linguagens são incorporadas… A cultura popular se torna objeto de estudo e reflexão dos artistas e intelectuais. Com o passar dos anos, a Academia foi se transformando, sem jamais abrir mão de sua importância e seu papel. Os salões da tradicional escola se abrem para a modernidade, que cresce vigorosa como uma árvore que se ergue ao futuro, mas com raízes fortemente fincadas as suas origens.

Nessa terra de misturas raras, a bagagem clássica se entrelaçou nas folhas das palmeiras, no canto das lavadeiras, se coloriu com os tons da alegria e se fez carnaval. Basta olhar para a natureza do nosso povo para fazer crer que a missão desta Academia era ser popular. Ainda no começo do Século XX, o professor Rodolfo Amoedo tomou o pincel e emprestou sua arte ao estandarte do Ameno Resedá: um lampejo de um grande casamento que viria a seguir. Salve o casal Nery, professores pioneiros na aproximação desses dois mundos, trazendo a viagem pitoresca de Debret ao Salgueiro de 1959! Salve Mestre Pamplona, que, com a benção de Campofiorito, realizou esse encontro entre os filhos da Academia e a arte do povo, guiando uma geração inteira de artistas para as escolas de samba nos anos 60 do Século XX.

O clássico e o popular encontram abrigo no carnaval. Desde a chegada da Missão em 1816 até hoje, o tempo moldou a Academia e abriu suas portas à cultura nacional. O barracão da escola de samba tornou-se um grande ateliê, onde arquitetos, pintores, desenhistas, figurinistas, realizam todos os anos a “missão” de criar e recriar a fantasia do carnaval. É missão da São Clemente, uma escola essencialmente carioca, eternizar na passarela esses mais de 200 anos de arte e cultura dessa instituição moldada e emoldurada pelas curvas sinuosas do Rio de Janeiro, que, amorosamente, carregamos em nosso pavilhão.

Foram grandes as barreiras e desafios vencidos. Até mesmo o fogo que atingiu a sede da EBA (Escola de Belas Artes) recentemente não tem o poder de apagar sua história. É das chamas que ela há de se reerguer, como uma Fênix que renasce: “quem chorava vai sorrir”.

Nessa ópera carnavalesca, nossa escola honrosamente apresenta sua tese, para ser avaliada pela banca popular, saudando a história da Escola de Belas Artes. Nossa defesa é o próprio desfile em si: ao adentrar a passarela em 2018, a escola de samba da Zona Sul será a grande confirmação de que era destino da EBA dar as mãos ao povo em forma de um carnaval Academicamente Popular. ”

Jorge Luiz Silveira – Carnavalesco

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