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07
junho
2017

O leão que esqueceu da juba: o drama das escolas de samba

LUIZ ANTONIO SIMAS

luiz-antonio-simasNo meio dessa confusão, sou um dos que batem sempre na tecla de que escolas de samba não são entidades de resistência inflexível ao poder instituído. Pelo contrário. Elas se inscrevem em um contexto muito mais complexo, cheio de sutilezas e negociações com este mesmo poder.

Na síntese precisa da professora Monique Augras: “O desejo (das escolas de samba) de brilhar será acompanhado pela constante preocupação em obedecer às regras do jogo”. Em certo sentido, pode-se observar que o desenvolvimento das escolas de samba é cheio de lances, até concomitantes, de adesão, resistência, afago, porrada, confronto, negociação e adequação.

As agremiações caminham lidando o tempo todo com o conflito entre o desejo de expressar suas tradições, concepções de mundo e bens simbólicos e a necessidade, para que esse desejo seja realizado, de atendimento às exigências de instâncias aparentemente fora do ambiente do samba: o poder instituído, a indústria turística, a mídia e, é necessário ressaltar, até o crime.

Confesso que estranhei a adesão automática de algumas escolas de samba ao prefeito. Imaginei, todavia, que a adesão de algumas – com discursos, cerimônias e o escambau – tinha sido pactada, negociada, feita de recuos de ambos os lados. Escolas de samba só sobreviveram porque negociam o tempo todo, são maleáveis, malandras, adequadas e (na adequação) resistentes.

O tema tem centralidade: para mim simplesmente não se pode pensar cultura, economia e território no Rio de Janeiro sem as escolas de samba. Elas são – acredito nisso – a mais impressionante invenção carioca inscrita no tempo e no espaço da cidade; expressões vivas dos dramas, dilemas e maneiras de inventar a vida como possibilidade de alegria e beleza desconcertante da nossa gente.

O problema, sinto dizer, não é exatamente a prefeitura, ainda que me pareça uma aberração o apoio de algumas agremiações (sempre friso que não foram todas) a um candidato que professa um credo demonizador do carnaval.
Permitam-me expor em tópicos alguns problemas deste imbróglio:

– As escolas de samba deveriam prioritariamente se pensar (só assim serão encaradas) como instituições do campo da cultura, e não do turismo.

– Desfile de escola de samba deveria dialogar com o poder público prioritariamente por intermédio dos órgãos de cultura, e não dos de turismo.

– Desfile de escola de samba deveria ser tratado como um evento da cultura, e não como um espetáculo midiático da cultura do evento.

– Escolas de samba deveriam negociar soberanamente o contrato de televisão. A TV Globo transmite o carnaval com a perspectiva do entretenimento leve e vazio de um show de celebridades, tentando contemplar o público que não dá a menor pelota para o desfile, mas quer assistir ao ex-BBB de plantão num carro alegórico. As transmissões não formam público para o carnaval e nem contemplam quem gosta de carnaval. O repórter, o comentarista, o apresentador, têm que fazer o estilo “engraçadinho maneiro” para agradar este público-alvo. O desfile é micaretado, infantilizado, midiatizado no pior sentido.

– As escolas de samba são as maiores responsáveis pela perda da credibilidade do carnaval. O de 2017, sabemos disso, já foi fraudado na farsa do rebaixamento. Além disso, falta cultura de escola de samba pra mais da metade do júri. Os caras não sabem o que estão fazendo ali. A Liesa também não faz a menor questão de aprofundar os debates com a turma que julga escolas de samba. Com honrosas exceções que correm atrás, eles não têm ideia do que é isso, não vivenciam cotidianamente escolas de samba e ficam perdidos na hora de julgar o que desconhecem. E aí aparecem com critérios estapafúrdios, absolutamente desvinculados dos padrões musicais, estéticos e dramáticos que caracterizam os desfiles como manifestações peculiares da nossa cultura. Nos grupos de acesso, a gente sabe exatamente o que acontece. Simplesmente não há lisura nos resultados.

Diante destas rápidas observações, me resta dizer o óbvio: a culpa pela crise do carnaval é prioritariamente das escolas de samba, que parecem não saber quem são, o que representam e o papel de centralidade que ocupam na história da nossa cultura, inclusive para dialogar com o poder público.

O mais potente grito civilizatório brasileiro, rugido de leão, virou um sussurro complacente de quem não reconhece a própria força. Para o poder público, a grande mídia, etc, basta fazer carinho desleixado no leão manso e sonolento. Ele se esqueceu das garras e da juba e acha que é um gato faminto precisando de um pires de leite.

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