O sambista das estrelas

ALEXANDRE MEDEIROS

alexandre-medeirosQuando estive atuando no Departamento Cultural da Imperatriz Leopoldinense, procurei realizar algumas entrevistas com figuras históricas da escola, dentro de um plano de salvaguarda da memória, não só da agremiação em si, mas também dos bairros que formam a sua comunidade.

Com uma lista de possibilidades nas mãos, fui procurando contatos dos escolhidos daqui e dali. O primeiro número de telefone que consegui foi o compositor Carlinhos Sideral. Empolgado com a possibilidade da primeira entrevista, liguei para o Carlinhos e expliquei o meu plano. Ele ouviu tudo com calma e disse “Não dou entrevista, porque quem dá entrevista morre 4 meses depois!”. Como já tinham me avisado que Carlinhos era uma figura um tanto excêntrica devido aos seus interesses ufológicos (!!), eu insisti um pouco mais e ele disse “Ok, mas depende do cosmos. Deixe seu número que vou te retornar”.

Obviamente imaginei que ele nunca mais fosse me ligar. Mas transcorrido mais ou menos um ano, recebo surpreso a ligação de volta: “Olha meu filho, na próxima terça vai ter uma brecha. Você pode vir a minha casa para a entrevista?” Obviamente que desmarquei tudo que tinha para ter aquele bate papo. Morador do Lins, Carlinhos me recebeu em sua casa com alegria e disposição. Munido de gravador, fui com o intuito de esmiuçar a vida daquele senhor simpático que agora se materializava na minha frente.

Ele me contou aspectos sobre sua infância, sua formação de desenhista e sua atuação em várias agências e empresas de publicidade e editoras. Mas o que realmente mais me interessava era que suas memórias surgiam na minha frente com um sabor muito peculiar, já que sua trajetória de vida era pontuada pela veia musical de sambista e pela militância na ufologia nacional.

Carlinhos começou no samba em meados da década de 1960 pela ala de compositores da Caprichosos de Pilares, que tratou de apelidar aquele cara que vivia falando de discos voadores de Carlinhos Lunático. O batizado não gostou de sua alcunha social e arrumou logo uma confusão, conseguindo trocar o seu nome para Carlinhos Sideral.

Depois de alguns anos na escola e com um talento que chamava atenção, ele foi convidado pelo Bidi – membro do famoso grupo de sambistas Originais do Samba e da ala de compositores da Imperatriz Leopoldinense – para ir atuar na verde e branco de Ramos. De casa nova, Carlinhos se entrosou rápido na escola. Chamava atenção pelo talento nas rodas de samba e, claro, pelo papo de OVNIs e outras coisas do espaço sideral.

Foi devido a sua personalidade destacada que em 1967 ele foi convidado para ser o presidente da ala de compositores da Imperatriz. Um de seus primeiros feitos foi logo promover o batismo da ala e um concurso de sambas de quadra.
E é dessa festividade que trago a peça de hoje: a lista com as 8 melhores composições concorrentes, com as letras de cada samba que se apresentou. Me dado de presente pelo Carlinhos, o documento datilografado e já bem amarelado pelo tempo traz letras de sambas inéditos de Matias de Freitas, Bidi, Velha e outros compositores históricos da Imperatriz. Mas o que mais chama atenção nessa listagem é o belo poema de abertura e o peculiar logotipo da ala dos compositores que o Carlinhos Sideral fez com a sua arte: uma clave de sol encimada por um disco voador…

Autor dos belos sambas enredos de 1969 de 1970 da Imperatriz – composto juntamente com Mathias de Freitas, seu mais constante parceiro – Carlinhos acabou saindo da escola logo depois do carnaval de 70.

Um fato que Carlinhos falava com extrema naturalidade era da sua curiosa relação de proximidade com a alta cúpula da Aeronáutica por causa de suas atividades na ufologia. Em 1971, Carlinhos Sideral assina junto com o amigo Júlio Mattos, o enredo da Mangueira “Modernos bandeirantes”, que era uma homenagem à Força Aérea Brasileira. Outro fato interessante dessa relação foi quando o seu samba enredo “Ganga Zumba” para o Bloco Canários das Laranjeiras foi censurado pela Divisão de Censura de Diversões Públicas (DCDP) da ditatura militar. Com um telefonema Carlinhos conseguiu que sua obra fosse “descensurada” e assim o samba pode ganhar as ruas no carnaval.

A partir de 1972 ele passou a década transitando pela Portela e pelo Canários das Laranjeiras, sempre apresentando belos sambas de enredo e de quadra. Nos anos 80 retorna para Imperatriz, aonde consegue emplacar a ideia do enredo ufólogo e o samba enredo do carnaval de 1985 “Adolã, a cidade mistério”. Carlinhos permanece como compositor da Imperatriz até 1994, quando se afasta por problemas de saúde.

Com uma vida tão rica de histórias e tão multifacetada pelas suas peculiares paixões, Carlinhos começou a escrever uma autobiografia, que tive a oportunidade de ler algumas páginas quando o entrevistei. Na época do bate papo ele já estava finalizando o livro e tinha até uma promessa de editoração, mas como tudo na vida do Carlinhos tinha um surpreendente toque místico, ele veio a falecer 4 meses depois de ter me concedido o prazer de o entrevistar. Partiu para a constelação de Sagitário, sua atual morada, no carnaval de 2003.

Veja Também

Artigos Relacionados

Categorias

Navegue por Assunto

Recentes

As Últimas da Arquibancada