O sol que brilha nessa noite vem da Tijuca

ALEXANDRE MEDEIROS

alexandre-medeirosNem só de samba de enredo se faz uma escola de samba. Os sambas de exaltação das escolas formam aquele grupo de composições que, de alguma forma, ainda conseguem mantém o frescor do prazer de se rabiscar um samba sem as amarras das competições anuais. Muitos deles são cantados nos ensaios e antes do desfile na hora do esquenta. Alguns ficaram famosos, como “Rainha de Ramos”, “Tem capoeira”, “Deusa da Passarela”, “Pavilhão do amor” entre outros.

Agora imagine que você, um torcedor que se orgulha de um dos seus hinos-exaltação, que se emociona ao ver a sua escola se preparando para desfilar com o hino que você tanto admira, descobrir que o samba em questão é de outra escola? Pois bem, é isso que acontece com “Alô minha escola de samba, alô”, samba muito cantado pelo Quinho quando ele puxava no Salgueiro:

“Alô minha escola de samba, alô…
aonde você for eu vou
puxando cuíca, batendo tambor!
Eu quero é participar e na avenida desfilar
e vibrar de emoção

E poder gritar aos quatro cantos,
meu Salgueiro é um encanto (Bis)
mora no meu coração!

Minha escola de samba tão querida
onde eu dediquei metade de minha vida

Me sinto feliz em participar
e com o povo na avenida desfilar… (Bis)”

Vamos aos fatos. O que os leitores dessa coluna já sacaram, e que a turma mais chegada já sabia, é que nas horas vagas, sou um caçador de “velharias” das escolas de samba. Um dos meus lugares preferidos para catar é a sabática feira da Praça XV. Entre uma fuçada e outra – os vinis os meus principais alvos – acabo encontrando coisas curiosas como canecas, flâmulas, chaveiros, fotos e toda sorte de coisas ligadas as agremiações. Na medida do meu orçamento e do espaço lá de casa vou juntando essa memorabília.

Tem muitos sábados que não se acha nada, mas tem outros que encontro verdadeiras preciosidades. E numa dessas incursões a esse mundo de testemunhas das lembranças perdidas, achei um disco de vinil muito curioso. Numa bela manhã de caça, encontrei um compacto simples – aquele disquinho de vinil que tem uma música de cada lado – do conjunto T. B. Samba, da gravadora TopTape, com o hino exaltação citado acima, no lado B.

Mas algumas coisas me saltaram aos olhos. Para começar, o disco era de 1974. Essa música era tão velha assim? E a autoria que constava era de Aroldo Melodia e Leôncio da Silva, duas figuras mais do que tradicionais da União da Ilha! Mas como pode? Essa música não é em homenagem ao Salgueiro? Seria algum erro? Será que existe um segundo samba com o mesmo nome?

Pela indecente quantia de R$ 3,00 virei dono daquela raridade e me mandei para casa, tomado pela corrosiva vontade de tentar descobrir aquele mistério. Ao botar o disco na vitrola e ouvir o samba, percebi que não era um segundo samba! Era o mesmo samba que o Quinho cantava! A letra é exatamente igual que postei lá em cima, com uma pequena diferença: ao invés de “meu Salgueiro” é na verdade “minha escola”.

Pesquisando e revirando meus alfarrábios, descobri a interessante história daquele disquinho. No início dos anos 70, a Associação das Escolas de Samba do Estado da Guanabara (AESEG) começou a lançar anualmente os discos oficiais dos sambas de enredo das Escolas de Samba. Em 1974, na assinatura do contrato de gravação, a AESEG acordou com a gravadora TopTape o lançamento de compactos dedicados a cada uma das Escolas, aonde de um lado constasse o samba de enredo da agremiação para 1975, e do outro lado tivesse um samba de quadra, de exaltação ou um samba de enredo perdedor da competição do ano em questão.

capadiscoilhaAssim, chegamos ao compacto CS 0191 da TopTape, que foi dedicado a União da Ilha. Do lado A temos o samba de enredo de 1975 “Nos confins de Vila Monte” – que aqui é um relançamento da faixa gravada pelo Conjunto T. B. Samba no disco oficial – e no lado B o samba exaltação da União da Ilha “Alô minha escola de samba, alô” do Aroldo e Leôncio. Só para constar, a divertida capa lisérgico-riponga desse compacto é uma peça genérica feita pela TopTape para todos os seus disquinhos lançados naquela época.

O fato da tiragem deste compacto ter sido pequena e esse samba exaltação não possuir regravações ou relançamentos fez com que a música acabasse caindo no esquecimento, perdida pela vida num fonograma raro.

Como um samba insulano perdido foi ressurgir modificado nas terras tijucanas, deixo para a conclusão de vocês, mas pelo visto não foi só um puxador que o Salgueiro importou da União da Ilha nos anos 90. Acabou, sem querer, levando um samba exaltação de brinde.

P.S. – Na hora de digitalizar a música, a minha vitrola resolveu fazer graça, saindo da rotação em alguns momentos. Portanto quero pedir desculpas pela qualidade mediana da faixa que você pode ouvir clicando no player abaixo.

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