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02
agosto
2016

Samba, suor e Coca-Cola

ALEXANDRE MEDEIROS

alexandre-medeirosDiferente do que acontece hoje, os desfiles das escolas de samba no Rio de Janeiro não ocorriam apenas no carnaval. Quando se pesquisa a folia carioca entre os anos 40 e 60 do século passado é comum de se ver pelos jornais antigos como era frequente a exibição das escolas durante todo ano, individualmente ou em pequenas competições.

A forma menos grandiosa das apresentações das agremiações na época facilitava não só essa possibilidade de atividades pré e pós momesca, mas também de se apresentar nos lugares mais insólitos. É possível encontrar antigos registros de um desfile competitivo de São Silvestre que acontecia todo final do ano na Praça Mauá e que durou alguns anos. Há também o registro do desfile acontecendo em pela Avenida Atlântica, em Copacabana, e de competições promovidas por jornais e outras entidades da época. E um desses acontecimentos mais curiosos foi a competição pré-carnavalesca intitulada “Grande desfile das Escolas de samba”, promovida pelo jornal Última Hora e pelo refrigerante Coca-Cola.

Tudo começou em 1957. Querendo promover uma campanha de marketing, a empresa resolveu bancar a criação de um jingle através de um concurso entre as escolas de samba. A Coca-Cola fornecia a letra e as escolas criariam a melodia, que seria apresentada em um desfile na Praça Barão de Drumond, antiga Praça Sete, em Vila Isabel. Prêmios em dinheiro e taças seriam oferecidos as escolas mais animadas e pelos arranjos musicais mais originais. A composição vencedora seria gravada e difundida nas rádios do Brasil como a música oficial da Coca-Cola para o carnaval de 57. Tudo com o apoio do jornal Última Hora.

Um comitê formado por membros do jornal e da empresa começou a correr as escolas de samba para arregimentar as agremiações. Depois de muito convencimento e acordos, nove escolas toparam participar: Unidos de Vila Isabel, Unidos do Cabuçu, Portela, Filhos do Deserto, Paraíso do Tuiuti, Estação Primeira de Mangueira, Unidos da Tijuca, Império Serrano e Unidos do Salgueiro (não confundir essa última com o Acadêmicos do Salgueiro).

Os preparativos para o desfile e as visitas do comitê as escolas, “sempre regado a uma Coca-Cola geladinha”, eram noticiados quase que diariamente no Última Hora. Fotos posadas dos compositores empunhando instrumentos musicais e garrafas do refrigerante ilustravam as matérias. E a tal letra que a Coca-Cola impôs era a seguinte:

No carnaval vou beber…
Coca-Cola!!!
Coca-Cola! Coca-Cola! oi!
Me faz um bem!
Coca-Cola! Coca-Cola! oi!
Pra mim também!
Que pureza! Que sabor
Coca-Cola tem!
Nós queremos Coca-Cola!
Coca-Cola faz um bem!
Coca-Cola pra mim!
Coca-Cola pra nós também!”

Coca(2)Evidente que a “inspirada” letra e a impossibilidade de modificações deram uma engessada no processo, mas os comentaristas tratavam logo de afirmavam que o “talento do pessoal do morro estava superando essas dificuldades”.

Para receber o certame, marcado para as 20:00 horas do dia 16 de fevereiro, a Praça foi toda decorada. A instalação de lâmpadas deixo a praça feericamente iluminada. Um palanque foi colocado para o Rei Momo, os convidados especiais, autoridades e a comissão julgadora.
No dia da festa, a concentração das escolas foi feita na Rua Barão de Cotegipe e na Rua Barão de São Francisco, de onde saiam para o desfile, que basicamente era uma volta na praça, parando em frente ao palanque montado na Rua Visconde de Santa Isabel por cinco minutos para apresentação, depois tomando o rumo e se dispersando na Rua Luís Barbosa.

E parece que a coisa foi animada. Cerca de 40 mil pessoas compareceram ao evento, mesmo com a chuva que caiu na hora do início da festa. Apesar de se apresentarem com uma pequena fração de componentes, algumas escolas se empolgaram e chegaram a fazer alegorias para o desfile. A emissora Continental foi a responsável pela gravação e transmissão radiofônica da festa, que durou até as duas da madrugada.
Dois dias depois, na redação do Última Hora, houve a abertura dos envelopes e a Unidos do Salgueiro foi a campeã com 96 pontos, tendo Mangueira em segundo com 84 pontos e Império Serrano e Portela empatados em terceiro com 80 pontos cada. Manuel Macaco, presidente da ala dos compositores da escola do Morro do Salgueiro recebeu o prêmio e o troféu, que era uma escultura estilizada de uma tampinha de Coca-Cola em forma de tamborim.

O grande sucesso da festa fez com que a Coca-Cola bancasse a festa por mais 6 anos. A obrigação da letra fixa caiu e outras escolas acabaram aderindo a competição e a coisa crescia a cada ano. Em 1961 a festa se muda da Praça Barão de Drumond – que entrou em obras – para o campo do Fluminense Football Club. Inclusive é desse primeiro desfile no estádio das Laranjeiras que trago hoje o cartaz promocional, decorado com a figura imperiana de Mestre Fuleiro.

Apesar da popularidade crescente, os desfiles acontecem até 1964 quando a Coca-Cola desiste de bancar a festa e mudar a estratégia de marketing para carnaval.

A história deste evento e de outros similares é extensa e muito curiosa. Trata-se de um campo de estudo fértil e pouco explorado na historiografia das escolas de samba. Um dia há de aparecer um abnegado alguém que mergulhe nesse universo paralelo das escolas e nos presenteie com um bom livro.

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