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24
novembro
2016

Ensaio técnico

EDUARDO CARVALHO

eduardo-carvalhoNo dia 15 de janeiro, Paraíso do Tuiuti, de volta ao Grupo Especial, União da Ilha e Império Serrano (este infelizmente na Série A) abrem a temporada de ensaios técnicos na Sapucaí para o Carnaval do ano que vem. A relativa proximidade desse pedaço do calendário anual das escolas de samba me atirou com força de volta ao passado. Tentarei explicar o porquê.

Antigamente, as escolas não ensaiavam na Passarela do Samba. Lembro-me, por exemplo, que em janeiro de 1987 acompanhei a mãe nos ensaios de rua da Mangueira, em frente à quadra da escola, na Visconde de Niterói. O enredo era Carlos Drummond de Andrade – que deu o bicampeonato à Estação Primeira – e, do alto dos meus 11 anos participei, fascinado, daquilo tudo que eu acompanhava desde o começo dos anos 80 pela tevê.

Mesmo sem fantasias ou alegorias, a escola era armada com uma seriedade impressionante. Dos seus componentes era exigido que soubessem o samba de cor, cantassem alto e evoluíssem; mestre-sala e porta-bandeira treinavam à exaustão; baianas rodavam bonito; a bateria tinha que estar perfeita; o puxador terminava em êxtase e os diretores de harmonia, sem voz.

Até hoje é assim. Mesmo com a Sapucaí à disposição em uma data específica (já houve ano com mais de um dia para cada escola…), as agremiações ensaiam também na rua, geralmente no entorno das suas quadras. Nesse quesito, os “treinos” da Vila Isabel no Boulevard 28 de Setembro ainda são capítulos à parte de pura magia e autenticidade no pré-Carnaval.

Mas o que eu queria mesmo falar era sobre o comecinho desses ensaios técnicos no palco oficial do desfile, ali por 2002 ou 2003. Acreditem ou não, era tudo muito melhor e mais genuíno naquele tempo. Como não havia quase nenhuma divulgação, só iam os componentes das escolas que ensaiavam em cada dia, os apaixonados pelo Carnaval, pouquíssima imprensa especializada, ambulantes e curiosos. Nem as arquibancadas eram abertas para o público – até porque não havia propriamente um “público”.

A gente ficava espremido no primeiro recuo da bateria vendo os ritmistas afinarem seus instrumentos e o mestre de bateria organizar tudo. Sem grade, sem corda e nem seguranças enchendo o saco. Aquele era o melhor lugar. Depois, quando a bateria entrava na Avenida, era só ir acompanhando bem de pertinho. Assim presenciei ensaios históricos de mestres geniais como Ciça e Odilon, que só faltavam fazer chover com o que conseguiam extrair do talento dos seus músicos.

Também nesse tempo, a gente conseguia até dar uma desfilada, como fiz em janeiro de 2004, no meio da Caprichosos de Pilares, que tinha a Xuxa como enredo… Outra experiência que não tinha preço era poder andar livremente ali por trás do antigo prédio dos camarotes, onde vendiam-se bebida e comida e onde esbarrávamos com figuras maravilhosas do Carnaval, num pedaço batizado naquela época de Baixo Sapucaí.

Foi lá e naquele ano que vivi um momento inesquecível. Numa noite, no fim dos ensaios, eu e alguns amigos nos deparamos com uma roda de samba despretensiosa, bem diferente daquelas mecanizadas que foram implementadas depois. Em volta da mesa, além de músicos anônimos, estavam Jamelão, Wantuir, Neguinho da Beija Flor, Nêgo, Quinho, Dominguinhos e Preto Jóia. Só craque. Devia ter mais gente, mas a emoção não me deixou guardar – e aqueles eram tempos pré-câmeras de celular.

Um de cada vez, eles iam interpretando sambas que não eram de enredo. Ainda me lembro do Jamelão aprovando, com um balançar de cabeça, o talento do Wantuir. Foram momentos indescritíveis e espontâneos que nunca mais se repetiriam – não daquele jeito.

Aliás, foi o Wantuir, à época na Unidos da Tijuca, quem cantou o samba que para mim marcou aquela roda. Guardo no peito a cena dele começando a cantar, lentamente, “Retalhos de Cetim”, do imenso Benito de Paula: “Ensaiei meu samba o ano inteiro / Comprei surdo e tamborim”. O samba foi avançando até desaguar no coro dos colegas ilustres, em: “Mas chegou o Carnaval / E ela não desfilou / Eu chorei na avenida, eu chorei / Não pensei que mentia a cabrocha que eu tanto amei”…

Mas isso é passado. Nostalgia. Bobagem. Bom mesmo é ficar lá na arquibancada e dar graças a Deus por (ainda) não ter que pagar para ver o ensaio da sua escola e, de longe, enxergar puxa-sacos, VIPs e afins que até nos ensaios técnicos conseguem enfiar goela abaixo na gente.

***

P.S.: para fechar a coluna em grande estilo, reproduzo aqui as belas palavras da Liesa ao finalizar o anúncio do calendário dos ensaios técnicos para 2017: “A Mangueira, campeã do Carnaval 2016, fará o teste de luz e som da Avenida na noite de 19 de fevereiro, quando também acontecerá a tradicional cerimônia de lavagem da pista”. Emocionante, não?

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