Escolas de samba e cariocas: um quase divórcio

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ANDERSON BALTAR

Na quarta-feira passada (01), estive, juntamente com Luise Campos, em um evento organizado pela Secretaria Municipal de Cultura do Rio. O seminário “Perfil Cultural dos Cariocas” prestou-se a divulgar os dados de uma pesquisa contratada ao Datafolha com 1.537 pessoas, entre os dias 21 de janeiro e 6 de fevereiro. O levantamento, realizado pela J. Leiva Cultura e Esporte, pretende mapear os gostos culturais dos moradores do Rio de Janeiro, independentemente de qual região more, qual faixa etária esteja e qual renda possua. Dentre os dados, dois em especial tocam bem fundo no coração de quem vive o mundo do samba: 56% dos entrevistados jamais assistiram a um desfile no Sambódromo. Pior: 50% nunca foi a uma quadra de escola de samba e colocam esse programa na escala de notas entre 0 e 2, num máximo de 10.

Dentre os gêneros musicais preferidos do carioca, o samba ocupa o quinto lugar entre as preferências, com 16%. Porém, o pagode, que convencionou-se denominar uma das derivações do samba, está em segundo, com 31%. Em primeiro lugar, está a MPB, de perfil multifacetado e indefinível como gênero musical, com 39%. Não é absurdo imaginar que grande parte desse público veja o mundo do carnaval com simpatia. Porém, não o frequenta. Dentre os eventos culturais mais frequentados da cidade, a palavra “carnaval” é a mais citada – sem distinção se é um desfile de escolas ou blocos. Nesta categoria, a outra única citação ao nosso universo é “quadra da Mangueira”. O Sambódromo aparece citado como sede da Parada Funk. Quando a pergunta é qual o espaço de cultura mais frequentado pelo carioca, o termo “quadra de escola de samba” tem cotação média, comparável à do Museu de Arte Moderna.

Há muito havia me convencido de que o desfile das escolas de samba havia se deslocado do centro de interesses do carioca médio. Se, até meados da década de 90, os sambas-enredos estavam no topo das paradas no verão e suas letras estavam na boca do povo, hoje mal tocam no rádio e são reduzidos a ridículos 15 segundos na vinheta de televisão. A “invasão” de outros ritmos na folia, como o axé, o forró, o sertanejo e o funk, também são outro sintoma. O desaparecimento dos preparativos das escolas da cobertura dos grandes jornais também já apontava para isso. Por mais que os ensaios técnicos continuem lotando a avenida e até tenha observado um aumento de interesse nos últimos dos meus amigos que não são ligados ao universo das escolas, seria faltar com a verdade não constatarmos que hoje vivemos dentro de um gueto cultural. E pior, esse gueto não dialoga com o mundo lá fora.

Sim, os preços do Sambódromo são altos, diriam muitos. Até são, mas não os acho proibitivos. Acho, sim, complicado comprar ingressos. Por fax, centrais telefônicas, sem cartão de crédito, sem parcelamento (o maior dos absurdos). Porém, nos dourados anos 70 e 80, a venda era no guichê, com filas que davam voltas no Maracanã, tiro, porrada, bomba e cavalaria da PM indo pra cima do povo. E, sem ilusões, os ingressos estavam muito acima da realidade financeira de um país estagnado por uma crise econômica muito pior do que a atual.

O que mudou? A paixão diminuiu. Sabe a paixão que faz uma pessoa deixar de pagar uma conta e comprar um ingresso de R$ 300 para a final de um campeonato? Ela não está mais presente no Carnaval, exceto para 1% da população como eu, você e seu amigo para quem você compartilhou esse texto. Para o consumidor médio, se ele não tiver dinheiro (ou aparelho de fax) para ver a sua escola, ele se contenta com a asséptica cobertura da TV. Ou então curte o ensaio técnico. Quadra? Quem sabe ele não dá um pulinho no ensaio de quarta, porque o do fim de semana é mais complicado.

Ao pensar excessivamente na competição, as escolas de samba acabaram virando as costas ao folião comum, que simpatiza com elas, mas não se sente instado a se engajar de uma forma mais efetiva. Como as agremiações se articulam praticamente em função do desfile, milhares de pessoas, os componentes, são priorizados, enquanto outras centenas de milhares são deixadas sem uma atenção especial e vistas somente como possíveis consumidores eventuais – mesmo sem receber qualquer estímulo para tal. Quantas escolas investem verdadeiramente em trazer um novo público para suas quadras?

Ao ver que metade dos cariocas não recomendam a ida a uma quadra de uma escola de samba, sinceramente, não consigo tirar a razão dessas pessoas. Afinal, nossas escolas oferecem, na quase esmagadora maioria, um serviço que não conseguiria mais do que uma estrela em sites de avaliação para viajantes. Raríssimas possuem estacionamento. Os bares são poucos, cheios de filas e vendem cervejas quentes, propiciando o insuportável fenômeno da proliferação dos baldes, que emporcalham o chão ao longo da noite. Não há quase variedade de cardápio. Ar-condicionado, pouquíssimas têm. A sonorização é precária e a sinalização é inexistente. Difícil recomendar a alguém que não seja um turista ansioso para conhecer uma escola de samba.

O que fazer para reverter esse quadro? Um banho de modernidade e fundamentos para as escolas. Que invistam em estrutura e qualidade de atendimento ao público. E que deixem de ser ilhas perdidas em suas comunidades. Que façam mais pelas comunidades no entorno. Que tornem-se pontos de encontro e contato dos moradores das regiões. Que não focalizem todos os seus esforços (inclusive financeiros) nos seus desfiles e lembrem-se de seu papel fundamental na manutenção e propagação de uma cultura ancestral.

 

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