Jack Vasconcelos: “Acredito no poder de conscientização de um desfile de escola de samba”

ANDERSON BALTAR

Em seu quarto Carnaval consecutivo no Paraíso do Tuiuti – o segundo no Grupo Especial -, Jack Vasconcelos leva para a Sapucaí um projeto audacioso. Na busca de manter a escola de São Cristóvão no Grupo Especial, ele se propôs a contar a história da escravidão na humanidade, enfatizando as poucas condições de inserção do negro na sociedade brasileira e finalizando com um forte tom panfletário e críticas pesadas às reformas do governo Temer. Em entrevista exclusiva, o carnavalesco nos dá mais detalhes sobre o que o Tuiuti apresentará no domingo de Carnaval.

Qual o norte que você achou mais adequado para construir o enredo?

A gente focou em cima da relação de exploração do trabalho e da lamentável e antiga prática de colocar o próximo a seu serviço de maneira abusiva e exploratória. O enredo, a princípio, partiu da comemoração de aniversário da Lei Áurea e vamos questionando a Abolição no Brasil e amplia a análise para a história da humanidade. Vamos mostrar que a escravidão é um mau hábito da humanidade desde sempre, com um grupo sempre querendo se sobrepor a outro. Essa visão vai modificando aos tempos, mas vai perdurando. A ideia principal de que o outro tem que me servir vai prevalecendo, mas ganha outras roupagens.

Essa história começa lá atrás então.

Sim. No primeiro setor falaremos da escravidão nas civilizações antigas. É curioso que o Carnaval é muito íntimo desse olhar, mas as pessoas nunca repararam. Sempre vemos em algum enredo um escravo no Egito, na Síria e na Babilônia. E isso passa como se fosse uma coisa natural.

Natural? Como?

Eu já desfilei de escravo no canavial, pela Imperatriz, pulando para caramba, como se fosse bom (risos). Esse primeiro setor é um choque de realidade, para mostrar que existiam escravos em todo o mundo desde o início das civilizações.

No segundo setor, vamos focar na África, que foi o maior mercado de escravidão do mundo. A expansão marítima foi muito cruel. Vamos mostrar essa relação de troca de mão-de-obra escrava no território africano, que, infelizmente foi o que mais se serviu dessa prática. Vamos falar sobre a diáspora africana e chegar ao Brasil, mostrando como o negro foi a base de todos os ciclos da economia: cana, café, minérios.

Em seguida, traremos a luta abolicionista, fazendo uma homenagem a algumas figuras que lutaram pela abolição, como José do Patrocínio, e, obviamente, a princesa Isabel, que era partidária da libertação, mas não podia promulgar anteriormente. E aí começa a nossa grande reflexão sobre a Lei Áurea: ela acabou com uma coisa terrível, mas não houve uma política de inserção dos escravos para eles realmente fazerem parte de um país. Foi muito mais uma grande propaganda do que um benefício.

E o desfile se encerra com uma grande crítica ao momento do país…

Sim, trazemos o olhar desde a abolição para a realidade. É notório que essas pessoas foram jogadas de lado e hoje ainda sentimos as consequências. E isso se reflete nos preconceitos construídos nesse processo, no fato das pessoas relativizarem as queixas. Não é um calo que dói. É muito fácil para quem teve tudo desmerecer a luta dos negros. Falamos do trabalho escravo que ainda é executado em fazendas e fábricas de roupas, da questão do índio. Neste setor falamos da exploração do pobre, do desvalido e das reformas trabalhistas que estão tentando nos empurrar goela abaixo.

Você acredita que o Carnaval pode conscientizar as pessoas politicamente?

Eu procuro, na minha profissão, fazer meu trabalho ser útil para a sociedade. Eu estudei a vida toda em escola pública. Então, toda a sociedade me ajudou a me formar e meu trabalho tem a obrigação de dar um retorno a ela. Minha arte tem o objetivo de tirar as pessoas de sua zona de conforto. Acredito no poder de conscientização de um desfile de escola de samba. A escola pode colocar uma pulga atrás da orelha de uma pessoa e fazê-la questionar alguma coisa que esteja passando na vida.

Qual a linguagem visual que você encontrou para contar esse enredo?

De cara é uma escola diferente do ano passado. A gente tem uma abordagem similar na questão do conceito do enredo, já que também falávamos de identidade no ano passado, com um viés libertário, esquerdista. Nesse ano, com o desenvolvimento, deixamos cair um pouco do disfarce.

A gente vem com um visual mais calcado no design. A gente não faz piada. Talvez o último setor tenha uma pegada de charge, uma coisa mais cartoon, mais jornalística , porque é necessário para que as pessoas absorvam bem. Nossa intenção é fazer a pessoa parar de fazer o que está fazendo e prestar atenção para nossa mensagem.

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