Posted On

18
agosto
2016

Terreiro Grande

EDUARDO CARVALHO

eduardo-carvalhoAnote estes nomes: Tuco, Bocão, Eri, Lelo, Renato, Roberto, Neco, Wilson Miséria, Careca, Edinho, Alfredo, Luizinho, Pereira, Cardoso, Jorge. Juntos, eles formam o Terreiro Grande. Você pode nunca ter ouvido falar deles. Mas, depois de escutar esses caras cantando sambas, vai querer tê-los sempre por perto.

Mexendo nos discos em casa, reencontrei dois do Terreiro Grande e voltei no tempo embalado pela emoção que sempre sinto ao ouvir esse grupo. É assim desde 2007, quando conheci a singela delicadeza com que eles se entregam para manter acesa a chama da nossa música maior. Mas como explicar o que é o Terreiro?

Um jeito bem resumido de dizer é que eles são amigos que tocam e cantam sambas pouco conhecidos feitos pelos compositores antigos ligados às escolas de samba. Cada um com seus afazeres diários, não vivem de música, mas a música vive neles.

Nas quatro ou cinco vezes em que os vi se apresentarem – incluindo uma roda inesquecível na ilha de Paquetá e outra no Trapiche Gamboa, num mesmo fim de semana em 2008 –, encantaram-me o estilo próprio de levar os sambas e a cadência de quem não tem pressa, como se estivéssemos numa festa caseira para quem quisesse chegar. Com eles, uma roda pode durar horas e mais horas sem repetir o repertório.

terreiro-grandeNa metade dos anos 2000, a grande Cristina Buarque, enciclopédia viva do samba, cruzou o caminho do Terreiro Grande, cujos integrantes vinham do Grêmio Recreativo Tradição e Pesquisa Morro das Pedras, instituição que funcionou de 2001 a 2006 numa das periferias de São Paulo. Tradição, pesquisa e sambas antológicos se encontraram. E dessa união nasceram os dois discos (lindos) a que me referi: “Cristina Buarque e Terreiro Grande Ao Vivo” (2007) e “Terreiro Grande e Cristina Buarque Cantam Candeia” (2009).

A devoção deles todos pelos sambas de terreiro dos compositores das escolas de samba – sobretudo as mais tradicionais do Rio e especialmente a Portela – é o norte de todo o trabalho belíssimo que fizeram e ainda fazem de resgate da nossa cultura. A maior parte do que cantam são obras, muitas até desconhecidas, de uma constelação de verdade que inclui nomes como Paulo da Portela, Bide e Marçal, Francisco Santana, Manacéa, Alvaiade, Silas de Oliveira, Zé da Zilda, Noel Rosa de Oliveira, Heitor dos Prazeres, Alcides Malandro Histórico, Picolino, Mijinha, Walter Rosa, Monarco, Zé Keti, Aniceto da Portela… Magia pura.

Quando boto pra tocar essas joias, volto àquele fim de semana encantado que vivi. E lembro que no fim daquilo tudo eu ficava tentando traduzir o que sentia, achar um sentido naquela cantoria de uns jovens de São Paulo, tão simples e tão grandes no que fazem. Tudo numa generosidade incrível, numa entrega, passando adiante um baú lotado de preciosidades. Bonito demais.

Na manhã seguinte, quando tudo se acabou, fiquei ouvindo de novo aqueles sambas e tentando guardar as letras todas que ainda não tinha guardado. Como agora, tentei com afinco lembrar e-xa-ta-men-te como tinha sido o canto da roda, ecoando em Paquetá e no Trapiche… E com aquela vontade que nunca me abandona de largar de vez o batente para viver com essa música, por essa música – o samba – por aí, todos os dias da vida.

Hoje, o Terreiro se reúne e toca apenas esporadicamente, quase sempre em São Paulo. Um dia ainda volto a vê-los levar adiante a revolução cotidiana do bom samba, achando, numa brecha da loucura atual em que vivemos, uma espécie de Tempo da Beleza. Ou, como brilhantemente escreveu Roberto Didio, compositor e integrante do grupo, eles seguem tentando “na cara da desumanização, no vagar, erguer a escassa lamparina da utopia”. Salve a grande arte desse grande Terreiro.

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