Trabalhadores da Folia

LUIZ ANTONIO SIMASluiz-antonio-simas

Assisto aos desfiles das escolas de samba por paixão e ofício. Estudo feito doido essa bagaça, escrevi alguns livros sobre a história das agremiações, sento a bunda na cadeira para ler tudo que sai, ganho de vez em quando uns merréis falando ou escrevendo sobre isso, tenho derrubado o galo do poleiro para alinhavar um novo trabalho sobre religiosidade e escolas de samba e vou ao Sambódromo não apenas porque gosto, mas porque preciso para as coisas que estudo.

Aí sou obrigado a aturar siricoticos de uma turma de “homens de bem” (fujo deles feito cachorro vira-latas dando migué para driblar a carrocinha) batendo na tecla de que Carnaval é festa de vagabundos, em que as pessoas tiram uns dias do ano para não trabalhar e só se divertir.

Quando escuto uma barbaridade dessas, penso nos vendedores ambulantes, nos operadores de carro de som, nos milhares de funcionários dos barracões de escolas de samba, nos músicos, nas cantoras e cantores, nos garis, nos motoristas de ônibus e condutores de trens e metrôs, nas garçonetes e garçons que aturam os bebuns da folia, nos entregadores de jornal, nos jornalistas que ralam nas redações, nas funcionárias e funcionários de hotéis, nas costureiras que fazem as fantasias, e em muita gente que rala em outras dezenas de atividades que envolvem os dias de folia.

A cerimônia de encerramento dos Jogos Olímpicos de 2016, conduzida pela batuta de Rosa Magalhães, deveria ensinar a essa turma que acha que somos um bando de vagabundos desocupados e deu um destaque significativo às escolas de samba do Rio de Janeiro e aos seus criadores. A genialidade de Rosa, que entende como poucas desse riscado, apresentou as escolas de samba de forma potente, bem longe de visões estereotipadas, mais adequadas a um show de macumba para turista em churrascaria rodízio.

O protagonismo das escolas de samba no encerramento dos jogos deveria ser também um recado para os nossos doutos sabichões. Sei de gente que jamais chamaria alguém de macaco, mas acha que macumba é barbárie ou manifestação pitoresca; que batuque é coisa inferior; que só o ocidente produziu formas sofisticadas de se pensar o mundo; que a maracá do pajé é folclore e a cruz é símbolo encarnado da fé; que Zeus pode ser ensinado em escolas, mas Xangô não pode; que ópera é grande arte e desfile de escola de samba não é. São aqueles que, talvez sem saber, operam no campo do racismo onde ele é mais velado: na desqualificação dos saberes que os subalternizados pelo colonialismo produziram em suas aventuras no tempo.

Antes de falar bobagem, homem de bem, olhe para o lado: alguém perto de você vai trabalhar com dignidade no próximo Carnaval. A festa em tempos de crise é mais necessária que nunca. A gente não brinca e festeja porque a vida é mole; a turma faz isso porque a vida é dura. Sem o repouso nas alegrias, ninguém segura o rojão.

Que os deuses protejam a vagabundagem do batente, na qual me incluo com a maior honra!

Veja Também

Artigos Relacionados

Categorias

Navegue por Assunto

Recentes

As Últimas da Arquibancada