Um novo julgamento?

ANDERSON BALTAR

O que era papo de bastidor, se confirmou nessa quarta-feira (05). A Liesa resolveu, numa tacada só, extinguir o quesito Conjunto e anunciar que renovará o seu júri pela metade para o Carnaval 2015. Em meio a tantas novidades, é um tanto complicado cravar, desde já, o que pode vir a acontecer. Penso que uma coisa é certa: trata-se de uma oportunidade única para que o conceito e critérios de julgamento comecem a ser modificados e arejados.

Em primeiro lugar, precisamos saber qual a real intenção dos dirigentes do carnaval. Muito se fala que tantas alterações se deveram às reclamações que partiram de escolas com nítido peso político e que, no Carnaval 2014, ficaram em classificações – justas, é bom dizer – aquém de seus investimentos e vontades. É uma linha de raciocínio que não deve ser desprezada, mas acho que ainda é prematuro cravar tal possibilidade sem que sequer saibamos quais serão os jurados que permanecerão e quais serão dispensados.

Cabe lembrar que este processo já havia sido iniciado, no carnaval passado, com a utilização de alguns novos julgadores, advindos do julgamento da Série A – que adquiriu outro patamar de credibilidade desde o surgimento da Lierj. Estes novos jurados atuaram de uma forma bastante criteriosa e devem ser mantidos. O aprofundamento do processo de renovação deve ser saudado e incentivado, especialmente se ocorrer com o intuito de arejar um júri que conta com nomes que estão no grupo há mais de 20 anos e já têm pré-conceitos cristalizados e, o pior de tudo, julgam mais bandeiras do que desfiles.

Tenho a esperança de que nenhum jurado do quesito samba-enredo seja descartado. Poucas vezes se viu, na história do carnaval, um julgamento tão condigno com o que se viu na avenida. Com raríssimas exceções, as notas coincidiram com o que já havia sido diagnosticado nas enquetes da imprensa especializada e na opinião do público. Os jurados de samba-enredo tiveram um desempenho impecável, detendo-se à avaliação do que efetivamente aconteceu em seu quesito e não se deixando contaminar pelo bom desempenho das escolas em outros fatores. Não à toa, a Unidos da Tijuca, que tinha um samba inferior à média das concorrentes, não conseguiu nenhuma nota máxima e quase perdeu o campeonato – conquistado por um bom desempenho em vários outros quesitos.

A manutenção do grupo de samba-enredo e a efetivação de jurados com a mesma forma de trabalho em outros quesitos – sobretudo os plásticos, ainda tão permeáveis ao peso das bandeiras – sem dúvidas, irá qualificar o julgamento e trazer mais justiça e equilíbrio a um carnaval que, prevejo, será definido nos detalhes. Ao contrário do que era observado até uns cinco anos atrás, não existem muitas diferenças de qualidade de trabalho entre, por exemplo, a quinta e a décima colocada. E isso se deveu à revitalização de escolas tradicionais que tinham administrações contestadas, como Portela, Mocidade e Mangueira; e ao crescimento notável da excelência dos desfiles das então coadjuvantes União da Ilha e São Clemente –  esta última que terá um carnaval assinado por Rosa Magalhães e conta com um dos melhores enredos do ano.

Porém (ah, porém!), não partiu da Liesa a sinalização da modificação mais importante que o julgamento do carnaval precisa passar: a revisão dos critérios de julgamento e, consequentemente, a melhor preparação dos jurados. O atual manual do julgador data do final dos anos 80 e passou por pouquíssimas alterações. O carnaval mudou muito nestes quase 30 anos e precisa ter seus conceitos revistos. Como utilizar os mesmos parâmetros de 1987 para as atuais comissões de frente? Qual a verdadeira forma de se julgar harmonia, já que hoje em dia o sistema de som cobre quase que inteiramente o canto da escola? A dança do casal de mestre-sala e porta-bandeira, que já incorporou vários traços do balé clássico, é bem julgada? É justo que sacos plásticos e escadas tirem décimos de alegorias primorosas enquanto outras, de concepção inferior, mas “limpas”, conseguem a nota máxima? Samba-enredo precisa contar todos os setores do desfile ou pode ter mais liberdade criativa? Questões como essas – e várias outras – merecem um debate aprofundado, com a participação dos integrantes das escolas e imprensa.

Após o estabelecimento dos novos critérios, é urgente uma preparação melhor dos jurados, com um curso esquematizado, valendo-se de exibição de vídeos e palestras. E, é claro, realizado longe dos dirigentes para evitar qualquer situação de constrangimento. De preferência, com a preparação de um número de julgadores superior ao necessário (em torno de 70) e que estes sejam sorteados pouco antes do desfile.

Mas, enquanto não soubermos a lista dos jurados afastados, o que nos cabe é esperar. O resto é teoria da conspiração.

***

Sobre o quesito Conjunto: nos moldes atuais, é o campeão da subjetividade. Merece ter critérios mais bem definidos, de forma a que não interfira nos demais e não penalize as escolas duplamente. Neste hipotético cenário de renovação dos critérios de julgamento, não poderia ser desprezado.

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CDs do Especial e Série A em breve nas lojas e já com versões editadas rolando em nossa programação. Dois ótimos produtos; cada um com suas virtudes. Na próxima coluna, falarei disso.

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