Posted On

21
julho
2016

Um outro Clube do Samba

EDUARDO CARVALHO

eduardo-carvalhoEm maio de 1979, João Nogueira fundou, no Méier do seu coração, o Clube do Samba. Por falta de alternativa, o inesquecível João (“Nascido no subúrbio nos melhores dias / Com votos da família de vida feliz”) materializou aquela ideia em casa mesmo, no número 50 da Rua José Veríssimo. Ali começava mais um bonito capítulo do samba, ligando-o a quintal, bebida, comida, festa.

Entre os frequentadores, além dos muitos anônimos que batiam ponto naqueles sábados, havia gente como Roberto Ribeiro, Clara Nunes, Nei Lopes, Aniceto do Império e muitos e muitos outros. Depois o Clube do Samba virou bloco, viu a sede mudar algumas vezes de lugar e acabou indo parar na Barra da Tijuca, onde permaneceu até 1988.

Isso é só para dizer que eu, que não nasci no subúrbio (nem nos melhores dias), também tenho o meu Clube do Samba. Ele se chama Renascença e há 11 anos colore a minha vida com as suas segundas-feiras encantadas.

É quando acontece o Samba do Trabalhador, roda criada por Moacyr Luz. A história todo mundo sabe: de uma reunião informal de músicos em seu dia de folga (segunda) que começou com a presença de uns 50 gatos pingados, a mesa do Rena virou ponto de referência para o samba na cidade, chegou a juntar duas mil pessoas em datas especiais e gerou CDs e DVDs.

Parece que foi ontem quando meu amigo Winter Jr., que tocava chocalho em alguns sambas pela cidade, veio me dizer:

– Edu, começou outro dia uma roda do Moacyr Luz, segunda de tarde! É impressionante, você tem que ir!

Pouco depois pude constatar: era mesmo incrível. Difícil explicar, mas é que, nesse tempo todo, vistos das mesas de plástico do Renascença, o Rio e o Brasil sempre pareceram ter jeito, sabe como é? Olhados de pé, em volta da roda, os nossos problemas ficam mais amenos e a vida, mais simples de se levar. Debaixo da caramboleira daquele quintal no Andaraí, a gente constata – mesmo! – como é bonita e sagrada a mistura brasileira.

Foi lá que fiz novos amigos, celebrei pequenas alegrias, afoguei mágoas. Lá que me vinguei de tantos poderosos, dizendo assim: “Aqui, ó! Segunda de tarde e eu no samba, enquanto vocês só cumprem a meta cega de ganhar dinheiro”. Foi no Renascença, enfim, que vi tocarem e (en)cantarem dezenas e dezenas de grandes músicos, cantores e compositores. E isso, acreditem, não tem preço.

Como tantos outros lugares que vieram antes, o Rena retomou essa tradição de quintais, cerveja gelada, amizade e “subúrbio nos melhores dias” – como cantava João. O clube da Barão de São Francisco, 54, trouxe de volta para muita gente o ambiente do convívio com as diferenças, o lugar do encontro e do reencontro. Outro Rio é possível, é o que Moacyr e sua trupe continuam a nos lembrar.

Por que conto isso? Para não esquecer. Para matar a saudade que sinto quando fico longe do samba. Para registrar e dividir com vocês como é bela essa outra cidade, distante do espelho d’água e inteiramente ao alcance dos nossos pés e mãos.

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