Um show de velha guarda

EDUARDO CARVALHO

eduardo-carvalhoZé Luís, Wilson das Neves, Cizinho, Toninho Fuleiro, Fabrício, Aloísio Machado, Ivan Milanês, Capoeira da Cuíca, Silvio, Lindomar, Balbina e Nina. Foi esse time de bambas que, há pouco mais de dez anos, fez muita gente descobrir ou reencontrar o baú de obras-primas de uma das maiores instituições do nosso melhor samba: o Império Serrano.
Eles formavam a Velha Guarda Show do Império, que em 2006 lançou seu primeiro e único disco (“Império Serrano – Um Show de Velha Guarda”, pela Biscoito Fino). Uma joia raríssima que dia desses voltei a ouvir sem parar. Acreditem: é samba genuíno, puro, sem concessões. Reunidos como um grupo musical desde 2000, são sucessores do primeiro, dos anos 80, formado por outra constelação, esta sim já lá no céu definitivo do samba: Mestre Fuleiro, Mano Décio da Viola, Nilton Campolino, Aniceto de Menezes, João Gradim, Zacarias Avelar…

Para começo de conversa, o CD veio preencher um vazio que ainda existia no registro das velhas guardas musicais, como das de Vila Isabel, Salgueiro, Mangueira e Portela (todas com belíssimos discos gravados). É inegável, no entanto, que esse trabalho juntando os artistas da Serrinha foi a grande novidade desde que Marisa Monte havia reunido novamente a velha guarda portelense no disco “Tudo Azul” – que foi, por sua vez, uma retomada da histórica criação do grupo por Paulinho da Viola, na virada para a década de 70.

Nem precisava, mas ouvindo o CD imperiano fica ainda mais claro por que o a escola é o orgulho de todo sambista que se preze. Ele mesmo, o Império Serrano que nasceu em 1947, fruto da insatisfação com o autoritarismo, resultado da busca pela liberdade de opinião. A história é conhecida: em 46, integrantes da escola de samba Prazer da Serrinha que não se conformaram em ter que desfilar, de última hora, com um samba que não tinha sido eleito (e que entraria no lugar de um legítimo Silas de Oliveira/Mano Décio), saíram para fundar outra agremiação. O objetivo era erguer uma nova escola onde todos pudessem ter voz e poder de decisão.

Assim foi feito e a escola foi campeã logo nos quatro primeiros anos, num bonito começo que teve a marca da democracia e da liberdade. “Menino de 47 / De ti ninguém esquece / Serrinha, Congonha, Tamarineira / Nasceu o Império Serrano / O reizinho de Madureira”, é o que diz, a propósito, um pedaço de “Menino de 47” (Nilton Campolino e Molequinho), que está nesse disco indispensável. Também está nele “Império tocou reunir”, simplesmente uma parceria com a assinatura de Silas e Dona Ivone Lara. Quer mais? Ouça, mas ouça agora: há outras 17 músicas, em 13 faixas de pura arte.

Disco na máquina e o que a gente escuta são sambas – de quadra, de terreiro, de roda – de parcerias imortais, como Mestre Fuleiro e Dona Ivone (“Não me perguntes”), Campolino e Hélio dos Santos (“Cuidado vovó”), Silas e Mano Décio (“Amor aventureiro”), e por aí afora. Obras de um tempo em que a história e a tradição das escolas de samba foram sendo feitas, escritas, contadas e cantadas. Tempo das “Quatro Grandes” (Portela, Mangueira, Salgueiro e Império), quando antiguidade era posto, sim senhor.

É a escola na qual pela primeira vez uma mulher ganhou um concurso de samba-enredo (Dona Ivone, com Silas, “Os cinco bailes da história do Rio”, 1965) e onde a própria concepção do que é um samba-enredo ganhou forma (antes, qualquer samba podia ser cantado durante o desfile). É o mesmíssimo Império Serrano dos sindicalistas do cais do porto, de Tia Eulália, de “Aquarela Brasileira”, do jongo, da resistência da cultura negra, de Arlindo Cruz, da “Estrela de Madureira”, de São Jorge Guerreiro, dos agogôs na bateria, de Beto Sem Braço, de Roberto Ribeiro…

Depois de pouco menos de uma hora de audição, o Império que emana do disco imprime na gente uma mistura de alegria, nostalgia, admiração. E fica impossível entender como ainda tem gente que pensa que escola de samba se faz com outro tipo de artista…

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