Uma fórmula para o júri

EDUARDO CARVALHO

eduardo-carvalhoVenho falando aqui dos desmandos e desgovernos que, também no Carnaval do Rio de Janeiro, vão minando qualquer sonho de democracia e de valorização da cultura brasileira. Depois daqueles acidentes que feriram dezenas (e que podiam ter sido evitados) e do tapetão (leia-se a medida desonesta tomada para garantir a presença da Unidos da Tijuca no Grupo Especial), agora se descobriu que, se a organização, o treinamento e o respeito com o espetáculo fossem levados a sério, a Mocidade teria sido a campeã de 2017.

Como foi noticiado, o jurado Valmir Aleixo Ferreira tirou um décimo da verde e branco de Padre Miguel por não ter visto o destaque de chão “Esplendor dos 7 Mares” que, na verdade, não constava no livro Abre-Alas, roteiro oficial dos desfiles entregue pelas escolas. A nota 10 levaria ao empate com a Portela. O desempate, então, só ocorreria no quinto critério: o quesito Comissão de Frente, em que a Portela perdeu um décimo, enquanto a Mocidade tirou 10.

Falar (quase) sozinho cansa. Exaure tentar ver luz no fim do túnel (que não seja a do trem vindo…). É extenuante pregar no vazio. Mesmo assim, vamos em frente na esperança de que, um dia, alguma coisa para acabar com esse “amadorismo” mafioso seja feita. Estou falando de recrutar com critérios técnicos, treinar e profissionalizar o corpo de julgadores do Carnaval.

Por exemplo: que tal buscar, quem sabe até por meio de uma consultoria de recursos humanos, especialistas em diversas universidades do país? Entre eles, poderiam estar professores, doutores e PhDs, especializados em cultura popular, história do Brasil, folclore etc. etc.

Ainda a título de ilustração, imaginem que fossem selecionados, sei lá, 174 experts e estudiosos de várias áreas. E mais: digamos que, primeiramente (fora Temer!), todos passassem por um curso a distância; em seguida, seriam classificados 86 deles para se reunirem no Rio e participarem de um treinamento presencial; e depois, ainda por hipótese, admitamos que restassem apenas 54 julgadores, dos quais 36 iriam para a Avenida (4 para cada um dos 9 quesitos) e 18 ficariam como reservas.

Caso algum desses jurados deixasse de atribuir alguma nota (ou cometesse uma lambança como a feita contra a Mocidade), seria punido, por contrato, com perda de cachê, podendo inclusive ter de ressarcir a Liga pelos gastos, como passagens aéreas e hospedagem, entre outros. Calculemos ainda que a entidade que organiza o Carnaval, além de passar a ter vergonha na cara, tivesse que investir R$ 1,3 milhão para recrutar e treinar seus novos julgadores, dos quais uns 60% seriam de fora do estado do Rio (para termos nessa receita um ingrediente tão necessário a tudo na vida: o distanciamento do sujeito que avalia em relação ao objeto avaliado).

Espera que não acabou. Eles não teriam os nomes divulgados para evitar pressões e, uma semana antes do Carnaval, todos ficariam confortavelmente confinados num hotel, recebendo acompanhamento de um psicólogo e fazendo treinamento de madrugada para se prepararem para as madrugadas de trabalho no Sambódromo.

Impossível? Sonho? Utopia? Pois, saibam vocês, o que está narrado a partir do quarto parágrafo desde texto é EXATAMENTE o que foi feito pela Liga das Escolas de São Paulo para os dois grupos (Especial e Acesso) no Carnaval 2017…

Resultado? Polêmicas sadias à parte (para um ganhar, outros têm que perder), a lisura do resultado não foi posta em cheque. E ainda ganhou, por critérios claros de julgamento, a Acadêmicos do Tatuapé, levando pela primeira vez o troféu depois do desempate no quesito samba-enredo com a Dragões da Real. Aliás, duas agremiações que, para dizer o mínimo, são “de fora” do grupo das que “sempre ganham”, o que já é um sopro e tanto de novidade, uma sempre necessária renovação.

Defeitos o modelo deve ter. Mas é melhor pecar pela ação do que pela omissão e, pior, pelo conluio anual que só esculhamba o nosso Carnaval.

*****

Precisamente nesta data, 23 de março, um patrimônio brasileiro chamado Império Serrano faz 70 anos. Tudo o que se fizer e disser será pouco para saldar e louvar o Menino de 47. Mas esta coluna, humildemente, está preparando uma homenagem do fundo do peito. Aguardem e até.

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