Uma Rosa para a Portela

EDUARDO CARVALHO

eduardo-carvalhoPassada a apuração que deu à Portela o merecido título de 2017, uma impressão muito forte que tive ao assistir aos desfiles continuava comigo: a de que a escola levou o campeonato muito mais por não ter errado tecnicamente do que por ter feito, de fato, uma grande apresentação – ou, dito de outra maneira, um Carnaval arrebatador. Sensação que virou certeza depois das notícias sobre as dificuldades financeiras enfrentadas pela agremiação e, por fim, com a saída de Paulo Barros, obviamente em busca de melhores condições de trabalho (mais dinheiro) para realizar os seus enredos.

Na estranha lógica que move o Carnaval de hoje, e alguns de seus carnavalescos-estrelas, um título não pressupõe a continuação, na mesma escola de samba, do trabalho da cabeça pensante que a ajudou a conquistá-lo. Ou seja, é o fim do “em time que está ganhando não se mexe”. Mas, deixa estar. Não é disso que quero falar hoje.

Hoje, só quero me despir da caricatura rabugenta que alguns enxergam em mim e oferecer a vocês uma Rosa. Uma Rosa perfumada, colorida, inspiradora, inspirada. Quero, em outras palavras, comemorar e dar a devida importância (que a tímida e protocolar cobertura jornalística, mesmo especializada, não deu) à chegada de Rosa Lúcia Benedetti Magalhães à Portela.

Não se enganem: Rosa é muito mais do que a nova carnavalesca da Azul e Branca de Oswaldo Cruz e Madureira. Também é mais do que artista plástica, cenógrafa, professora, figurinista. Ela é a redenção carnavalizada da beleza, a cura para a repetição travestida de novidade que anda por aí. Rosa é uma das últimas representantes de um Carnaval criativo sem ser vazio, bem desenhado, bem-feito, clássico, tradicional no que essa palavra tem de mais bonito. Rosa é a anti-Disney, é o Carnaval-Carnaval.

Rosa é filha da folia. O pai, o escritor e acadêmico Raimundo Magalhães Júnior, fez parte do júri do primeiro desfile oficial das escolas de samba, em 1932. Rosa é filha da arte. A mãe, a autora teatral e escritora Lúcia Matias Benedetti, chegou a ser enredo – desenvolvido com a ajuda de Rosa – da Unidos de Lucas em 2014.

Como se sabe, a participação de Rosa Magalhães no Carnaval começou com a turma que trabalhou com o genial Fernando Pamplona e com Arlindo Rodrigues, em 1971, no Salgueiro. Grupo que tinha ainda Maria Augusta, Lícia Lacerda e Joãosinho Trinta como integrantes. Depois, ela desenhou fantasias para a Beija-Flor e chegou até a trabalhar na Portela (!), onde criou figurinos e alegorias em dupla com Lícia para enredos desenvolvidos por Hiram Araújo.

Foi essa dupla, Rosa e Lícia, nunca é demais lembrar, que assinou e desenvolveu “Bumbum Paticumbum Prugurundum”, belíssimo enredo com o qual o Império Serrano foi campeão em 1982 – e que fez história, marcou época. Ainda naquela década, elas passaram pela Imperatriz Leopoldinense e pelo Estácio (com o marcante “Tititi do Sapoti”). Mais tarde, do começo dos anos 1990 até 2009, Rosa foi cinco vezes campeã com a escola de Ramos, onde fez enredos inesquecíveis: “Catarina de Médicis na Corte dos Tupinambôs e Tabajeres” (campeã em 94) e “Mais Vale um Jegue que me Carregue que um Camelo que me Derrube, lá no Ceará” (campeã em 95) são dois belíssimos exemplares desse período. Em 2013, ainda levantou o caneco com a Vila Isabel, de onde saiu de forma até hoje nunca explicada a contento pela escola do famoso bairro de Noel.

Agora, aos 70 anos, a Rosa chega à Portela. E a Portela, livre de um peso nas costas de mais de três décadas sem título, encontra a Rosa. Uma Rosa que, tenho certeza, vai encantar Oswaldo Cruz, Madureira e arredores. Ela, a nossa Rosinha, vai vestir o manto azul e branco e fazer a gente ter ainda mais orgulho de, ao avistar a Águia Altaneira apontando na Sapucaí, cantar assim: “Portela / Eu nunca vi coisa mais bela / Quando ela pisa a passarela / E vai entrando na Avenida”.

Então, Rosa, pode vir. Vem fazer aquelas baianas lindas de morrer, cheias de trabalhadas rendas e delicados bordados. Vem inventar teus barrocos carros, tão magistralmente esculpidos que até vistos de costas encantam a gente. Vem, vem logo ser moderna sem precisar dizer que é, vem embalar a nossa escola há muito sedenta de um colo de mãe. Vem, Rosa, delirar nas fantasias-fantasias que desenhas como poucos, aquelas, bem costuradinhas e que a gente só falta perder o ar de emoção quando as contempla na passarela. Vem, enfim, ensinar que antiguidade ainda é posto, sim senhores. Bem-vinda seja a Rosa. A Rosa da Portela.

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