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19
julho
2017

Um abacaxi difícil de descascar

LUIZ ANTONIO SIMAS

luiz-antonio-simasAs escolas de samba têm, não é de hoje, uma dificuldade enorme de se pensar criticamente. Poucas percebem que no mundo globalizado – sobretudo em seu viés cultural/econômico – as grandes agremiações foram instadas pela indústria do entretenimento a se diluir em padrões uniformes, perdendo as especificidades dos ricos complexos culturais que se desenvolveram em torno delas.

Diluídas em referências pouco afeitas a suas características fundamentais, as grandes agremiações se enroscaram em um emaranhado ardiloso, sendo cada vez mais vistas como difusoras do consumo padronizado e da uniformização dos hábitos. Esteticamente, esta experiência também foi perigosamente empobrecedora.

Resumindo o problema: as escolas de samba foram encaradas pela indústria do entretenimento como potenciais veículos de propaganda de massas, indução ao consumo e circulação de capitais legais e/ou ilícitos. E assumiram este papel, felizes da vida. E agora, em um contexto de crise, quando até este papel apequenado de veículos de propaganda de massas parece não se sustentar?

Está aí um abacaxi difícil de descascar e eu não vejo nas entidades gestoras a menor condição e disposição para raspar o fundo deste tacho.

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Levanto aqui uma bola. No processo de gestação das escolas de samba, a ala dos compositores desempenhou um papel crucial como setor pensante das agremiações. Os grandes fundadores das escolas de samba foram também compositores. As alas de compositores, inclusive, foram os últimos segmentos das escolas de samba – ao lado das baterias – a sucumbirem ao processo de concentração de poder na figura dos carnavalescos.

De responsáveis pela concepção visual dos desfiles, os carnavalescos passaram a ser responsáveis por praticamente tudo que envolve uma agremiação: influenciam nas escolhas dos sambas, modificam letras, pintam e bordam com as alas das baianas, se articulam com coreógrafos de comissões de frente para propor espetáculos circenses, inserem como bem entendem os casais de mestre-sala e porta-bandeira no desfile, e o escambau. Alguns, conscientes de seus papéis, fazem isso respeitando minimamente os alicerces do samba.

A perda de prestígio culminou com a própria dilaceração da ala dos compositores. Elas não existem mais como vivência cotidiana nas escolas, mas apenas como simulacros. Em alguns casos, nem isso. Disputas caríssimas, sambas encomendados, vídeos com “making off” das gravações dos sambas, clipes rigorosamente iguais nas simulações de imagens: grito do puxador, coral no estúdio, compositor emocionado, imagem do sete cordas solando… O desastre da ala dos compositores é completo. O segmento morreu (e não falo aqui da qualidade dos sambas; o papo é outro).

É pena não só porque a formação de novos compositores – e o afastamento dos que não têm grana – é comprometida. É pena também porque um segmento pensante das escolas de samba, que poderia ter a autoridade dada pela tradição e a vivência para pensar o carnaval em tempos de crise, foi pras cucuias.

PS: Até agora, na discussão sobre como lidar com esses dilemas em que o carnaval está metido, eu estou achando que tem muito vampiro dando opinião sobre como administrar banco de sangue.

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